Os Lusíadas
Os Lusíadas
Publicado em 1572, no auge do Renascimento literário, em Portugal, é a maior obra poética da língua portuguesa. A viagem de Vasco da Gama e sua descoberta do caminho marítimo para as Índias, entre 1497 e 1498, é o motivo central deste poema épico, do qual Camões conta os vários feitos da história de Portugal.
O renascimento literário atingiu seu ápice em Portugal, durante o período conhecido como Classicismo, entre 1527 e 1580. O marco de seu início é o retorno a Portugal do poeta Sá de Miranda, que passou anos estudando na Itália, de onde trouxe as inovações dos poetas do Renascimento Italiano, como o verso decassílabo e as posturas amorosas do Doce stil nuovo (o doce estilo novo). Foi Luís de Camões que aperfeiçoou, na língua portuguesa, as novas técnicas poéticas, criando poemas líricos, que rivalizam em perfeição formal com os de Petrarca (1304-1374), e um poema épico, Os Lusíadas, que, à imitação de Homero e de Virgílio, traduz em verso toda a história do povo português e suas conquistas, tomando, como motivo central, a descoberta do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama.
E assim, eu conheci Camões:
Em 1989, quando eu estava com a idade de 13 anos, tomei conhecimento da existência da obra de Luís Vaz de Camões, através do álbum, As quatro estações, da banda de Rock Legião Urbana.
Lendo o encarte do álbum na época, vi que parte da letra da música, Monte Castelo, continha o 11° soneto de Camões, mesclada com alguns versículos bíblicos de 1 Coríntios 13, além da letra de própria autoria do vocalista e letrista da banda, Renato Russo.
Depois de algum tempo, por volta dos meus 16 anos de idade, mais ou menos, eu e um amigo, andávamos pelo centro da cidade de Niterói, até que paramos em frente a um vendedor de livros que vendia seus livros sobre um forro no chão, em frente a estação das barcas, na praça Araribóia.
Lembro-me que enquanto olhávamos com curiosidade para os livros, procurando por alguma coisa que pudesse ser de nosso interesse, avistei o livro no chão enquanto ouvia o diálogo do vendedor de livros com um possível comprador.
Também me lembro que o vendedor, que usava óculos de grau e tinha os cabelos já sem corte e um pouco grandes, o que lhe dava uma aparência de intelectual, falava com muito entusiasmo sobre um determinado livro ali… Esse livro se chamava: Os Lusíadas, de Luís de Camões.
Fiquei fascinado, era o livro "daquele" escritor que o Legião Urbana inseriu parte de um poema seu na letra de uma de suas músicas. Gostaria muito de ter comprado o livro naquele mesmo dia, porém ainda não fora possível realizar a bendita compra, pois não me recordo bem, mas certamente já tinha gastado meu dinheiro comprando algum disco, cópia de algum disco em fita cassete, camiseta ou anéis de caveiras, na loja House Rock, uma antiga loja que vendia artigos de Rock no Center V, no bairro de Icaraí; pois era com isso que eu e meu amigo gastávamos o nosso dinheiro naquela época, e o dinheiro que restava nos bolsos era suficiente apenas para pagar a passagem da condução de volta para casa.
O tempo foi passando e consegui, não me lembro de que forma, um livro de coletâneas de poemas e poesias em sonetos, odes, redondilhas, oitavas, éclogas, sextinas, elegias, cartas e também alguma coisa de Os Lusíadas, como A fala do velho de Restelo, o que para mim, já era um deleite, porém ainda não era a obra completa, Os Lusíadas.
Só depois de mais alguns anos enfim, eu já homem feito, por volta dos 30 anos de idade, passando na calçada da rua Visconde do Rio Branco, mais conhecida pelos mais antigos como, rua da Praia, no centro de Niterói, foi que finalmente comprei o livro, que se encontrava em uma banca de jornal, novo e embalado em um plástico lacrado, e o melhor de tudo... Muito barato! Apenas dois reais e noventa centavos! É claro que mediante a inflação, esse valor não eram os mesmos dois reais e noventa centavos de hoje, mas ainda assim, estava muito barato.
Foi uma surpresa encontrar aquele clássico tão desejado por mim já a tanto tempo. Dessa vez não haveria qualquer impedimento, aquele livro seria meu! Que realização! Fui para casa radiante de alegria, desejando iniciar o mais rápido possível aquela leitura.
Mas aí, o que não poderia ter acontecido, aconteceu… Caí naquela armadilha de tantas outras vezes, que é começar a leitura dando umas desfolhadas nas páginas e guardando o livro na estante, para que assim que conseguisse uma aliviada no meu tempo, iniciasse realmente a tão sonhada leitura.
Bem, o tempo que é implacável, não pôde ficar me esperando, e mais uns bons anos se passaram quando finalmente, hoje com meus 47 anos, realizei esta leitura de valor inestimável.
Um homem do Renascimento
Pouco se sabe com segurança sobre a vida de Luís Vaz de Camões. O autor nasceu, provavelmente, na cidade de Lisboa, por volta do ano de 1525. Estudou na Universidade de Coimbra, um dos mais conceituados centros de estudo em toda a Europa. Deve ter tido uma educação esmerada, apesar de pertencer à camada menos abastada da corte portuguesa.
Supõe-se que tenha estudado no Convento de Santa Cruz, no qual trabalhava Dom Bento de Camões, seu tio. Lutando contra os mouros, na investida portuguesa em Ceuta em 1549, perdeu a vista direita, motivo pelo qual futuramente sempre mostrariam o autor com um tapa-olho. Foi preso em 1552 por se envolver em uma briga com um oficial da corte. Durante os nove meses em que passou na cadeia, começou a escrever Os Lusíadas.
Livre, embarcou para o Oriente, em 1553, a serviço militar. Viveu na miséria em Goa e em Moçambique durante 16 anos e chegou a ter o seu Auto de Filodemo representado na Índia.
Graças à ajuda financeira de amigos, voltou a Lisboa em 1969. Data desse período de dura peregrinação pelas colônias ultramarinas portuguesas a imagem de Camões que os românticos haveriam de perpetuar: a do poeta miserável, exilado e saudoso de sua terra, sofrendo humilhações no cotidiano e escrevendo os mais sublimes versos como vingança.
A conhecida história de seu relacionamento com Dinamene, a companheira chinesa do poeta, reforça essa imagem. Navegando pelo rio Mecon, na Indochina, o casal sofreria um naufrágio. Diz a lenda que Camões teria conseguido salvar a si e aos manuscritos de Os Lusíadas, enquanto Dinamene morria afogada. Camões dedicaria à amada morta vários de seus poemas líricos, procurando elevá-la às mesmas alturas de Laura, de Petrarca, ou da Beatriz, de Dante.
Retornando a Portugal, conseguiu publicar, em 1572, sua obra-prima – Os Lusíadas – e passou a viver de uma modesta pensão oferecida por Dom Sebastião, o rei de Portugal, a quem dedicou seu poema épico. Luís de Camões morreu em 1580, mesmo ano em que Portugal perdeu sua autonomia política, caindo no domínio da Espanha. Em carta a Dom Francisco de Almeida, o poeta sintetizou esse momento: “...acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria que não me contentei em morrer nela, mas com ela”.
A FORMA DE EXPRESSÃO
Para cantar a história do povo português, em Os Lusíadas, Camões foi buscar na Antiguidade clássica a forma mais adequada: o poema épico, gênero poético narrativo e grandiloquente, desenvolvido pelos poetas da Antiguidade para contar a história de todo um povo. A Ilíada e a Odisséia, atribuídas a Homero (século VIII a.C.), através da narração de episódios da Guerra de Tróia, contam as lendas e a história heróica do povo grego.
Já a Eneida, de Virgílio (71 a 19 a.C.) por meio das aventuras do herói Enéias, apresenta a história da fundação de Roma e as origens do povo romano. Ao compor Os Lusíadas, Camões copia a estrutura narrativa da Odisséia,de Homero, assim como os versos de Eneida, de Virgílio. Utiliza a estrofação em oitava rima, inventada pelo italiano Ariosto, que consiste em estrofes de oito versos, rimadas sempre da mesma forma: abababcc. A epopéia compõe-se de 1.102 dessas estrofes, ou 8.816 versos, todos decassílabos, divididos em 10 cantos.
NARRAÇÃO
Em Os Lusíadas a narração tem início “In Media Res”, ou seja, em plena ação. Vasco da Gama e sua frota se dirigem para o Cabo da Boa Esperança, com o intuito de alcançar as Índias pelo mar. Auxiliados pelos deuses Vênus e Marte, e perseguidos por Baco e Netuno, os heróis lusitanos vivem diversas aventuras, sempre comprovando seu valor e fazendo prevalecer sua fé cristã. Ao pararem em Melinde, ao atingirem Calicute, ou mesmo durante a viagem, os portugueses vão contando as histórias dos feitos heróicos de seu povo. Completada a viagem, são recompensados por Vênus com um momento de descanso e prazer na Ilha dos Amores, verdadeiro paraíso natural que em muito lembra a imagem que então se fazia do recém-descoberto Brasil.
ESTRUTURA
É composta de três narrativas, que remetem à história de Portugal, interligadas pela narração da viagem de Vasco da Gama. Uma narrativa principal – fio condutor de todo o poema – apresenta a viagem da armada de Vasco da Gama; outra é a narrativa feita pelo próprio Vasco da Gama ao rei de Melinde, na qual conta a história de Portugal até sua própria viagem. Aqui se podem “ouvir” os feitos dos heróis portugueses anteriores a ele, como Dom Nuno Álvares Pereira, o caso do amor trágico de Inês de Castro, o relato de sua própria partida, com o irado e premonitório discurso do “Velho de Restelo” e o episódio do “Gigante Adamastor”, representação mítica do Cabo da Boa Esperança.
Em seguida, são acrescentadas as narrativas feitas aos seus companheiros pelo marinheiro Veloso, que relata o episódio dos “Doze da Inglaterra”. Por fim, já nas Índias, Paulo da Gama, irmão de Vasco, conta ainda outros feitos heróicos portugueses Catual de Calicute.
ECLETISMO RELIGIOSO
O poema Os Lusíadas apresenta um ecletismo religioso curioso. mescla a mitologia greco-romana a um catolicismo fervoroso. Protegidos pelos deuses, os portugueses procuram impor aos infiéis mouros sua fé cristã. O português é visto por Camões como representante de toda a cultura ocidental, batendo-se contra contra o inimigo oriental, o árabe não cristão. Todo esse fervor religioso não impediu a utilização, pelo poeta, do erotismo de cunho pagão. Isso pode ser percebido no episódio da “Ilha dos amores”.
Os portugueses defensores da fé cristã, são protegidos, ao longo de todo o poema, por uma deusa pagã, Vênus. É curioso notar que a imagem clássica do deus romano Baco (o Dionísio dos dos gregos), amigo do vinho e do desregramento, inimigo maior dos portugueses, é a de um ser de chifres e rabo. A mesma que foi utilizada pela igreja católica para representar o demônio.
EPISÓDIOS PRINCIPAIS
Alguns episódios célebres de Os Lusíadas merecem um olhar mais atento. Um deles é o da “Ilha dos amores” (Canto IX, estrofes 68 a 95), em que a "Máquina do Mundo” , com suas profecias, é apresentada aos portugueses. Nessa passagem do final do poema, o plano mítico – dos deuses – e o histórico – dos homens – encontram-se: os portugueses são elevados, simbolicamente, à condição de deuses, pois só aos últimos é permitido contemplar a “Máquina do Mundo”. Foi o episódio da “Ilha dos Amores” que inspirou o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade a compor seu poema A máquina do Mundo.
Outro episódio de destaque é o do “Gigante Adamastor” (Canto V, estrofes 37 a 60), representação figurada do Cabo da Boa Esperança, que simboliza os perigos e as tormentas enfrentados pelos navegadores lusitanos no caminho para as Índias. Adamastor é o próprio Cabo, transformado em rocha pelo Deus Peleu, como vingança por ter seduzido sua esposa, a ninfa Tétis. Esse episódio foi recriado por Fernando Pessoa (1888-1935) no poema “O Monstrengo”, de seu livro Mensagem (1934).
Muito bacana Lisandro! Ainda não li esse clássico "fundador da língua portuguesa". Está na minha lista de leitura. Curiosamente, também frequentei a House Rock. Eu comprava aquelas fitas k7 que eles gravavam com a banda que agente queria. Bons tempos. Abração.
ResponderExcluirLegal saber que você também frequentava a House Rock, Renato! Aquela loja era uma fonte de Rocknroll! E quando puder, leia Os Lusíadas ao som de Madredeus tocando baixinho ao fundo. Abraço!
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